Ao longo dos anos, a mitologia grega foi utilizada para passar ensinamentos adiante e para tentar entender as relações humanas. A história que abre este texto resume o mito de Ícaro, que, entre outras ideias, faz uma reflexão sobre os desejos humanos e o perigo da ambição (ou de nunca estar satisfeito).
Agora, o rapper BK’ volta o olhar para tal lenda e a usa como ponto de partida para o seu novo trabalho de estúdio, intitulado ICARUS. Em uma perspectiva contemporânea e urbana, ele traça um paralelo do mito com a sociedade atual, numa jornada de 13 faixas em que aparecem as participações especiais de Major RD, L7NNON, Julia Mestre, Bebé, Luccas Carlos e Marina Sena.
ICARUS é lançado de forma grandiosa e inovadora: o artista carioca Nikolas Demurtas criou uma obra de arte de 2m x 2m — pintada a óleo — reinterpretando a tela de “O Voo de Ícaro”, pintada por Jacob Peter Gowy (1636 – 1638). A obra, que estará em exposição no Museu de Arte do Rio (MAR), de 17 a 19 de novembro, é também uma ativação de realidade aumentada, na qual basta mirar um aparelho celular para mergulhar nos detalhes e nas faixas do álbum. ICARUS ganha ainda visualizers de todas as canções no canal de YouTube de BK´.
“No EP Cidade do Pecado, falei muito sobre como as luzes da cidade nos enganam e como elas fazem com que a gente perca a nossa essência. Foi daí que cheguei no mito de Ícaro, que faz uma crítica exatamente a isso, sobre não se deixar enganar pelo brilho das coisas. A motivação pode até ser legítima desde de que se saiba escolher o melhor caminho para atingir tal propósito. É sobre não se esquecer de quem você é”, afirma BK’. O rapper associa o “labirinto” presente no mito a vários crimes e distúrbios sociais, como o racismo, a pobreza e a fome. É neste contexto que as asas da lenda se tornam uma ferramenta de escape. “É preciso entender o porquê Ícaro tinha que sair dali. Mas, ao mesmo tempo, nesse processo de fuga, a luz se torna um atrativo tão forte a ponto de ser fácil de se perder”, pontua o artista.
Medos, insegurança, ego e outros elementos da sociedade ajudam a delinear a narrativa do álbum, que tem “Luzes” como ponto de partida. As participações especiais auxiliam na construção de camadas e na somatória de perspectivas para além da que BK’ sonhou para o trabalho. L7NNON, por exemplo, surge em “Lugar na mesa” — um hino sobre persuasão e ações de hoje, que, em um futuro, serão legado. Na sequência, “Continuação de um sonho” aponta a importância da ancestralidade e de reverenciar e respeitar aqueles que vieram antes (outra referência ao mito de Ícaro, já que muitos apontam o fato dele não ter ouvido conselho do seu pai). A faixa “Nome nas ruas”, produzida por Carlos do Complexo, traz o caos da metrópole e como se encontrar no meio dele. Traçando um paralelo entre o BK’ de hoje e tudo o que compõe a sua essência, o artista enfileira, em seguida, “Tudo mudou e nada mudou”.
Com participação de Major RD, “Foto armado” manda recado por meio do deboche, e, de forma sutil, faz em suas suas linhas reverências aqueles que vieram antes e possibilitaram o rap de estar no lugar em que se encontra hoje, como Sabotage e Racionais. Em “Só me ligar”, com produção de Sango, BK’ aborda as tentações sexuais da cidade e traz elementos sinestésicos para criar a ambientação da faixa. A participação de Julia Mestre agrega em um refrão e linhas prontas para seduzir o ouvinte
“Luta e lucro” fortalece aqueles que estão junto de BK´ na caminhada, em que ele evidencia a sua lealdade na vitória ou na vingança. Mais uma participação especial vem na sequência: a cantora Bebé soma em “Em nome do que sinto”.
Como uma faixa-irmã de “Planos” (lançada por BK’ há quatro anos e com mais de 49 milhões de plays no YouTube), “Músicas de amor (nunca mais)”, com participação de Luccas Carlos, entra na reta final de Icarus e traz a relação amorosa e o sentimento para primeiro plano em uma narrativa bastante visual. “Funk deprê”, por sua vez, traz uma dobradinha do rapper com a cantora Marina Sena. Juntos, eles cantam sobre caminhos, se encontrar e se perder.