Um oceano de distância não foi impedimento para que a amizade de mais de uma década entre os rappers Beli Remour e FRAJ se transformasse em arte. Nascido entre dois continentes, o EP colaborativo “Pequenas Distâncias” chega à cena musical como um testemunho dos ensinamentos do Hip Hop: criar com o que se tem, onde se está.
Beli Remour, brasileiro radicado em Portugal, e FRAJ, em solo nacional, usam as faixas para explorar a cidade como um palco de imagens, sons e contradições. O projeto, composto por sete faixas, é uma investigação sonora sobre a vida urbana, a sobrevivência artística e os “espectros” que assombram o cotidiano.
A obra se inicia com um sample do poeta paulistano Roberto Piva, ligando a poesia marginal do passado à produção contemporânea. A crítica social surge logo em seguida em “Espectros de Marx”, faixa em que Beli Remour também assume a produção do beat. A música narra a vida de artistas independentes nos grandes centros, com um baixo frenético que, segundo FRAJ, “representa este estado dançante que interfere nos versos, saltando de imagem em imagem, como os saltos dados cotidianamente pela cidade”.
Em “Gosto, Textura e Cheiro”, com produção do carioca Babidi, os versos abordam a necessidade labiríntica de reinvenção constante, tratando-a como uma homenagem aos eternos recomeços. Já “Sorria, você está só” mergulha em uma atmosfera onírica, onde as vozes dos artistas flutuam livremente sobre um beat loopado, buscando novos caminhos sem se prender a clichês do gênero.
O protesto ganha contornos diretos em “Arte Decorativa”, que inclui um trecho do documentário PIXO. A faixa é uma aposta em uma arte que rompe com o utilitarismo da indústria cultural. A crítica à mercantilização que banaliza a arte continua em “Síndrome de Vira Lata”, que questiona os lugares de poder e o discurso neoliberal dentro da cultura hip-hop.
O álbum se encerra com “Nômade em Exílio”, faixa que, de acordo com FRAJ, associa o exílio concreto ao “sentimento de estar exilado mesmo no lugar em que se vive”. A música constrói uma atmosfera de urgência e deslocamento, refletindo a cidade como um “hipertexto a ser lido e reescrito”.
Em última análise, “Pequenas Distâncias” costura a pequena distância que separa o olhar da imagem. É um projeto que habita a cidade real, sonhada e imaginada, subvertendo o tempo e o espaço.
Como define Beli Remour, o EP “expressa as rotas desconhecidas de uma cidade imaginada, onde dois continentes se encontram e se diluem, porque toda cidade é uma cidade imaginada – suas distâncias são relativas, transitórias, transponíveis”.



 
